Por que a descida é o maior desafio das ultramaratonas?
Imagine que você é um carro 4x4 enfrentando uma trilha de montanha. Na subida, você precisa de força. No plano, precisa de constância. Mas na descida, onde tudo parece mais fácil… é aí que o sistema começa a falhar. Os freios esquentam, os pneus derrapam e a direção fica menos estável.
Foi com essa ideia na cabeça que um grupo de cientistas italianos decidiu investigar: o que realmente acontece com nosso corpo depois de uma ultramaratona de montanha? E mais: qual parte da corrida fica mais “cara” energeticamente — plano, subida ou descida?
O resultado? Surpreendente. A descida é a parte que mais nos desgasta depois de uma ultra. E esse desgaste afeta diretamente sua performance.
Como foi feito o estudo?
Para entender isso melhor, os pesquisadores acompanharam 14 corredores experientes que participaram da Vigolana Trail, uma prova de 65 km com +4.000 m de ganho altimétrico na Itália.
Esses atletas fizeram um teste antes e logo depois da prova, correndo na esteira a 10 km/h em três situações:
🌄 Subida de 5%
🟩 Terreno plano
⬇️ Descida de 5%
Durante os testes, os cientistas mediram duas coisas principais:
Custo energético da corrida – quanto de “combustível” o corpo precisa para se mover.
Biomecânica – como o corpo se move: tempo de contato com o solo, comprimento da passada, frequência de passadas, etc.
O que eles descobriram?
Depois da ultramaratona, o corpo dos atletas estava claramente mais cansado (Ah vá) — isso já era esperado. Mas o que chamou atenção foi o seguinte:
✅ A subida e o plano até que seguraram bem…
Mesmo com a fadiga, os corredores não aumentaram significativamente o gasto energético para correr em subida ou no plano.
❌ ...mas a descida virou um problema!
O gasto energético na descida aumentou em média 13,1% após a prova. Isso quer dizer que o corpo passou a gastar muito mais energia para fazer o mesmo movimento — correr a 10 km/h em uma descida leve.
Além disso, a biomecânica mudou:
A passada ficou mais curta
A frequência aumentou (mais passos por minuto)
O tempo no ar diminuiu
O tempo de contato com o solo aumentou
E a força aplicada em cada passada foi menor
Traduzindo: o corpo entrou em modo de economia forçada, como um carro que reduz o desempenho para não quebrar. O resultado? Um movimento menos eficiente, que gasta mais energia.
Mas por que a descida quebra tanto?
Quando descemos, nossos músculos — especialmente os das pernas — trabalham como freios. Eles fazem contrações excêntricas, que são muito mais agressivas para o tecido muscular.
É como se você descesse uma ladeira segurando uma carga pesada: você não está “empurrando”, mas sim segurando o peso para não desabar. Esse tipo de esforço gera microlesões musculares e uma fadiga intensa, mesmo que a sensação de esforço pareça menor na hora.
E o que isso muda no seu treino?
🎯 A grande lição é simples: se você não treina as descidas, está deixando um ponto fraco no seu corpo.
Mesmo atletas experientes sofreram esse impacto. Imagina um corredor amador que só treina subidas e planos, achando que a descida “é descanso”.
Aqui vão 3 aplicações práticas para você incluir já no seu planejamento:
1. Treine a descida como você treina a subida
Inclua treinos específicos em trilhas com trechos de descida longa. Comece com sessões curtas e vá aumentando o tempo e a intensidade progressivamente.
2. Fortaleça seus músculos com foco excêntrico
Agachamentos com ênfase na fase de descida, saltos pliométricos controlados e exercícios de avanço excêntrico ajudam a preparar o corpo para esse tipo de carga.
3. Recupere bem após treinos com muita descida
Sabemos que as descidas causam mais dano muscular. Isso exige mais atenção na recuperação: sono de qualidade, alimentação adequada e descanso ativo são fundamentais.
Para fechar:
Correr bem na trilha exige resistência, técnica e inteligência. A descida é traiçoeira: parece fácil, mas cobra caro depois. Por isso, não basta treinar o que te desafia na subida. Você precisa treinar o que te destrói na descida.
Como disse esses dias para um aluno:
"Na subida tu mostra força. No plano, constância. Mas é na descida que tu mostra se está preparado de verdade."
Vamos treinar com ciência, com foco e com estratégia.
Bora pro time? Manda uma mensagem agora!!
📚 Referência científica:
Vernillo G. et al. (2015). Energy cost and kinematics of level, uphill and downhill running: fatigue-induced changes after a mountain ultramarathon. Journal of Sports Sciences.